Fricção* trata-se de um projeto solo em dança que tem como argumento a fricção entre imagens de guerra e o universo erótico. A partir de fotografias de guerras como no caso da famosa e violenta imagem da criança que corre nua e desesperada com o corpo queimado de napalm** na guerra do Vietnã, ou da figura firme e ardilosa do Hitler em “situação de poder” proponho um olhar erotizante sobre a guerra. A relação dessas imagens define o estado de atuação do meu corpo decorrente da utilização de próteses externas constituídas de materiais rígidos e móveis, que produzem múltiplas qualidades de movimento e desvios de corporalidade. Essas próteses serão estruturas com rodas pequenas distribuídas/acopladas em diferentes partes do corpo (principalmente na região posterior), sendo que algumas colocadas estrategicamente terão sistema de fricção, o que possibilitará maiores impulsos e arremessos do corpo no espaço, bem como, brecadas violentas, além de deslizamentos fluidos em nível com o chão. Aqui, aparece a relação corpo-máquina explicitada em Crash, tanto no livro de J. Ballard quanto no filme de Cronnemberg, atmosfera ficcional que nutri-se do erotismo por velocidade e colisões entre automóveis. O espaço cenográfico do trabalho será estabelecido pelo recurso da iluminação e disposição de objetos que são superfícies para diferentes texturas (leite, espuma, entre outras ainda não definidas). O estudo da luz será desenvolvido no trabalho para criar recortes sobre o corpo de maneira a contrapor partes deste corpo, como nas figuras do artista plástico Hans Bellmer*** - que também será fonte inspiradora para criação de corporalidade na obra. O design de luz em Fricção terá constante diálogo com a ambiência sonora feita pela DJ presente em tempo real, formando um jogo sensorial de superposição de luz, imagens projetadas e sonoridade, em movimento lento ou frenético, delimitando assim, a trajetória do corpo em luz ou sombra. O que se pretende é uma experiência sinestésica. A mediação entre máquina-tecnologia--guerra-corpo será então marcada de erotismo, abusando do senso estético. As imagens de Leni Riefenstahl - cineasta e fotógrafa que produzia as imagens de propaganda do Nazismo - sobretudo no filme O triunfo da Vontade, serão interpretadas como estetizantes do corpo bélico fascista. A guerra apresentada como extensão da política ou um estado de exaltação da mesma, não mais como uma exceção espetacular, mas principalmente ordinária, cotidiana e estetizada, é que gera a complexidade de pensá-la nos dias atuais, e fará dessa investigação cênica em dança um campo fértil de imagens e história. Nessa perspectiva o corpo aciona estados de violência e posturas de poder ao mesmo tempo em que erotiza. A alternância desses estados, dinâmicas e qualidades corporais ultrapassam a pura representação ao compor com a imagem e provocar nuances do movimento a partir da analogia entre as duas imagens propostas - menina no Vietnã (fotografia)/ Hitler discursando (filme) - que nesse sentido, irão friccionar períodos e contextos bélicos distintos. As relações expostas aqui, entre referências históricas e artísticas parecem formar uma rede de sentidos para a imaginação estética que vem compondo esse processo criativo em dança, que parece ser formado por recortes/partes, nesse caso a composição será organizada de maneira a friccionar partes cênicas aparentemente separadas.
* Fricção (força resistindo o movimento relativo de duas superfícies no contato, ou em uma superfície no contato com um líquido. Esfregação, Atrito. Para o general Clausewitz é um conceito na guerra: “A fricção, ou o que aqui chamamos assim, é, portanto o que torna difícil o que na aparência é fácil". “A fricção é o único conceito que distingue a verdadeira guerra daquela que se faz sobre o papel”)
** Napalm foi desenvolvido em 1942 durante a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos por uma equipe de químicos. São fluidos incendiários (tais como os usados nos lança-chamas) que salpicam e escorrem muito facilmente devido à sua baixa viscosidade.
*** Hans Bellmer, artista plástico alemão surrealista. Como repúdio ao fascismo e a estética da propaganda Nazista, cria meninas bonecas tridimensionais em poses eróticas.
Ficha Técnica:
Concepção e Performer: Isaura Tupiniquim
Orientação conceitual: Washington Drummond
Design de luz: Márcio Nonato
Design de próteses: Gaio Matos
DJ e ambientação sonora: Lívia Drummond (Lívia Losd)
Apresentações confirmadas para os dias 14,15,16 / 28,29,30 de Abril ás 20hs no Teatro ICBA.
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