segunda-feira, 4 de abril de 2011

Fricção - teatro de operações

Nesse momento a sociedade contemporânea vivencia a experiência de uma guerra interminável que não mais se dá no conjunto dos países como na 1ª e 2ª guerra, estágio ultrapassado do guerrear, mas na permanência da uma guerra fragmentada e contínua espalhada por todos os continentes. Embora, alguns conflitos bélicos ganhem destaque e conhecimento mundial, sobrevive às escuras uma miríade de pequenos conflitos nos confins do globo e sem projeção midiática. Estes não alcançam o status de notícia globalizada, salvo se apresentam algum massacre que sirva para a boa-consciência dos sem-guerras.

Para a maioria dos cidadãos contemporâneos a arte da guerra é completamente desconhecida e mesmo as suas atualizações estratégicas e tecnológicas nos passam despercebidos, pois este é um saber para especialistas. Entretanto, sofremos um outro tipo de guerra: o bombardeio incessante de imagens midiatizadas e espetaculares desses conflitos. Por mais distantes que pareçam, devido ao estágio cultural tátil em que vivemos, suas imagens nos acediam. Essa é nossa única e interminável guerra: o convívio conflituoso com essas imagens de horror que se impõe como pão nosso de cada dia. O ambiente das imagens reprodutíveis, descontextualizadas, circulando sem fim, de tela em tela, é o nosso front e o desafio que se impõe será interpretá-las, interpelá-las com todas as armas que pudermos agenciar. Do contrário estaremos submetidos a esse regime de imagens frias de medo e violência.

O trabalho de dança Fricção se insere de uma maneira renovada nessa peleja, apresentando suas armas concebidas esteticamente. O que nos mostra é que esse processo de decodificação e desafio frente a essas imagens não só está em andamento mas que será impossível nos furtamos desse embate. O campo estético em que ele se encontra e se movimenta é o da reapropriação das imagens bélicas, flagrando-as em associações que antes nos eram estranhas: belicismo, erotismo, corporalidade, dança, performance... Antes de uma vitória ou do campo pacificado e triste de uma derrota a obra se coloca em suspensão e risco, instaurando um campo de luta ou, como no jargão bélico, um teatro de operações, quando a performer em sua simulação estética joga com nosso próprio destino, a saber, o enfrentamento solitário dessas imagens terríveis.

Por Washington Drummond*

*Doutor em Arquitetura e Urbanismo, (PPGAU-UFBA), com Bolsa Sandwich CNRS/Laios – Paris. Leciona História Contemporânea e Teoria da História na Universidade Estadual da Bahia, Professor-Colaborador do Programa de Pós Graduação em Crítica Cultural – UNEB e do Programa de Pós Graduação da FAU-UFBA.

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